sexta-feira, junho 23, 2006

Era uma vez...

"Era uma vez,

uma mulher pequena que andava ao longo de um caminho poeirento.

Ela já era bastante velha, mas parecia flutuar e o seu sorriso era

tão fresco como o de uma menina inocente.

Parou ao pé de uma criatura toda encolhida,

de forma que ela não conseguia distinguir muita coisa.

A criatura que ali estava deitada no pó, parecia um ser sem corpo.

Relembrava-a um cobertor cinzento com contornos humanos.

A mulher pequena agachou-se e perguntou: "Quem és tu?"

Dois olhos cansados e sem vida olharam-na.

"Eu? Eu sou a Tristeza." sussurrou baixinho e hesitante,

de tal forma que era quase impossível perceber.

"Ah, a Tristeza!"

exclamou a mulher pequena como se estivesse a reencontrar uma velha amiga.

"Tu conheces-me?" perguntou a Tristeza intrigada.

"Claro que te conheço. Acompanhaste-me vezes sem conta no meu caminho."

"Sim, mas ..." a Tristeza hesitava

"Porque não foges de mim?

Tu não tens medo de mim?"

"Porque devia fugir de ti?

Tu sabes melhor que ninguém que apanhas qualquer fugitivo.

Mas o que te quero perguntar: porque estás assim sem coragem?"

"Eu...estou triste." respondeu o ser cinzento com uma voz estremecida.

A mulher pequena sentou-se ao lado dela.

"Portanto, estás triste." dizia ela e mostrou-se compreensiva.

"Conta-me o que te preocupa assim tanto."

A Tristeza suspirou.

Será que era desta que alguém a ia escutar?

Quantas vezes o tinha desejado!

"Ah, sabes," começou algo surpreendida, "é assim, ninguém gosta de mim.

É o meu destino ir ter com as pessoas e estar com elas durante algum tempo.

Mas, quando vou para ao pé delas, elas retiram-se.

Elas têm medo de mim e fogem de mim, como quem foge da peste."

A Tristeza engolia com dificuldade.

"Elas encontraram frases, com as quais me querem espantar.

Elas dizem: vamos animar que a vida é alegria.

E o sorriso falso provoca dores de barriga e falta de ar.

Elas dizem: abençoado seja o que nos faz endurecer.

E depois ficam com dores no coração. Elas dizem: é preciso ter força.

E sentem a tensão nas costas e o peso nos ombros.

Elas dizem: só os fracos choram.

E as lágrimas recalcadas quase que rebentam os corpos.

Ou então elas drogam-se com álcool ou drogas, para não me sentirem.

"Oh, sim," confirmava a mulher velha, "Já conheci muitas pessoas assim."

A Tristeza ainda se encolheu mais um pouco. "Eu só quero ajudar as pessoas.

Se eu estiver bem perto delas, elas conseguem encontrar-se a elas próprias.

Eu ajudo-as a construir um ninho para curarem as feridas.

Quem está triste tem uma pele muito fina.

Algum sofrimento já passado volta ao de cima,

como uma ferida mal curada e isso magoa muito.

Mas só quem permite o luto e chora todas as lágrimas recalcadas,

é que pode curar todas as feridas.

Mas as pessoas não querem que lhes ajude nesta tarefa.

Em vez disso, elas mascaram-se com um grande sorriso e escondem as cicatrizes.

Ou então ficam amarguradas."

A Tristeza silenciou-se.

Começou com um choro fraco, depois mais forte até ao desespero.

A mulher pequena e velha abraçou a criatura encolhida.

Como ela era macia e ternurenta, pensava a mulher,

e acariciava aquela criatura que tremia.

"Chora, Tristeza, " sussurrava ela com carinho,

"Descansa, para recuperares as tuas forças.

A partir de agora não deves caminhar sozinha.

Eu vou-te acompanhar, para que o desespero não fique mais poderoso."

A Tristeza parou de chorar.

"Mas... mas quem és tu afinal?"

"Eu?" dizia a mulher pequena e velha

e voltou novamente a sorrir como uma menina pequena,

eu sou a Esperança!"

Inge Wuthe